quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Crítica - Jackie

Análise Jackie


Review Jackie
Provavelmente não há primeira-dama mais lembrada na história política dos Estados Unidos do que Jacqueline Bouvier Kennedy, esposa de John Fitzgerald Kennedy, presidente assassinado sob circunstâncias bastante questionáveis (sugiro que assistam JFK: A Pergunta que Não Quer Calar de Oliver Stone). Famosa por sua gentileza e elegância, mas também pelo modo que trabalhou honrar o legado do marido (e sua Camelot, como diz em dado momento do filme) dias após seu assassinato. É o tipo de filme que podia render aquela biografia quadrada, frígida e cheia de autoimportância (como Lincoln de Steven Spielbierg), mas consegue fugir disso graças à direção do chileno Pablo Larraín e do trabalho de Natalie Portman.

A trama começa tempos depois do assassinato de John Kennedy (Caspar Phillipson), com Jackie (Natalie Portman) recebendo em sua casa um jornalista (Billy Crudup) que irá entrevistá-la sobre os dias que sucederam a morte do presidente. Sempre mantendo a conversa sob seu controle, Jackie começa a lembrar dos momentos que passou ao lado do cunhado, Bobby (Peter Saarsgard), do vice e próximo presidente Lyndon Johnson (John Carroll Lynch), dos filhos e da organização do funeral presidencial.

Jackie está literalmente no centro de tudo no filme, praticamente todo tempo em cena e no centro de quadro. A história é contada praticamente inteira do seu ponto de vista e seu olhar sobre os fatos.Mesmo nos longos closes de seu rosto em silêncio o filme consegue nos dizer muito sobre sua protagonista e como ela se sente, graças a Natalie Portman que com apenas olhares e linguagem corporal consegue transmitir a dor, o desamparo, a raiva, as incertezas e toda a gama de sentimentos que passa na mente de Jackie conforme ela pensa na melhor maneira de honrar o marido diante de tudo que aconteceu.

A trama também não se furta de mostrar as contradições da personagem e o modo como boa parte daquilo que pensa para o funeral é, em parte, para satisfazer seu próprio ego e colocá-la em evidência, preservando-a na história assim como seu falecido marido. A protagonista, por sinal, parece compreender que o relato histórico depende de construção de narrativas para a posteridade, embora isso não a torne necessariamente uma pessoa cínica ou inescrupulosa, apenas ciente das demandas que se impõem sobre uma figura pública como ela.

Outros filmes poderiam explorar a figura de John Kennedy e seu assassinato de modo mais exagerado e manipulativo, mas o roteiro prefere focar mais em como tudo isso impacta Jackie, quase nem mostrando John, e quando finalmente nos mostra o momento do tiro e a reação de Jackie ao evento, o resultado é assombrosamente impactante. Poderia também ser um filme sobre o glamour da primeira-dama, mas vai na direção contrária, nos mostrando alguém que apenas tenta manter sua compostura mesmo quando tudo ao desmorona e é difícil não sentir a tristeza e desolação da personagem conforme ela experimenta vestidos e caminha por uma Casa Branca deserta ao som das canções do musical Camelot. A referência a Camelot, mítico castelo do rei Arthur e seus cavaleiros da távola redonda, e associação à morte de Kennedy e o luto de Jackie funciona quase como um lembrete de que houve uma época em que se podia esperar ao menos uma postura de altivez e dignidade da política e que o assassinato do presidente de algum modo "quebrou" alguma coisa no imaginário popular.

Além de Portman, que praticamente domina o filme, o elenco coadjuvante é igualmente competente. Peter Saarsgard traz a introspecção do enlutado Bobby, que a todo momento parece se dobrar dentro de si mesmo e lamenta todas as coisas que poderia ter feito ao lado do irmão (assim como Jackie lamenta tudo que seu casamento poderia ter sido). Billy Crudup é eficiente como o jornalista que tenta navegar pelas barreiras e mecanismos de defesa de Jackie, deixando a ela (sem muita escolha, é verdade) o controle da situação. O veterano John Hurt, em um de seus últimos trabalhos, funciona como uma caixa de ressonância para os sentimentos da protagonista, deixando que ela vocalize suas frustrações e sentimentos. Embora Hurt seja muito bom em evocar uma figura sábia e paternal, esses segmentos soam um pouco deslocados do resto do filme e sua atmosfera contemplativa, com muitos diálogos parecendo mastigados demais para explicar o momento da protagonista, sendo que os silêncios e momentos de isolamento já fazem isso muito bem.

Ainda assim, Jackie é um olhar bem intimista sobre uma personagem pública, funcionando por sua atmosfera silenciosa e pela interpretação poderosa de Natalie Portman.

Nota: 8/10


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